oh darling, let's fly #3


A experiência no curso inicial de tripulante de cabine. Já vos contei as minhas motivações, já vos mostrei os aspectos técnicos do curso e hoje venho-vos falar da minha experiência, num tom mais pessoal e emotivo. Como é que a minha vida pode mudar tanto em cinco semanas? Como me enturmei tão bem e conheci pessoas tão maravilhosas? Como descobri um céu de coisas que desconhecia por completo relativamente à aviação? É. É sobre isso que vos venho falar hoje amigos.



o primeiro dia

Estava um bocadinho nervosa. Sim, um bocadinho. A verdade é que os meus dias de estudante pareciam ter ficado no século passado e, trabalhando em casa, o meu círculo de amigos pouco mudou desde esses tempos de faculdade. Nunca tive problemas em conhecer ou dar-me com pessoas novas. Sempre fui bastante sociável e descontraída. Mas — sei lá — não sabia bem que tipo de pessoas iria encontrar. Poderiam estar lá pessoas — que seriam os meus futuros colegas — de todas as idades e localidades, de todos os contextos e nacionalidades. Acho que o meu maior receio era ser a idosa do grupo...

E, de certa forma, fui. Assim já de antemão posso-vos dizer que a média de idades deveria rondar os 20 anos. Depois existia eu, com 26, dois colegas com 40 anos e uma ou duas colegas com 30, 30 e tal. De resto, a turma era constituída por pessoas com idades que iam dos 18 aos 24. 



Ainda assim, rapidamente percebi que a idade acaba por ser um factor secundário quando estamos ali todos juntos, a aprender uma coisa nova pela primeira vez, movidos pela mesma ambição.

No primeiro dia tropecei logo numa menina, que chegara ao mesmo tempo que eu à escola. Era a Marisa. Desde então que ficámos logo amigas. Juro. Assim, desde o primeiro minuto. Fomos as duas melhores alunas do curso, fizemos as duas um percurso muito semelhante e, agora, entrámos as duas na mesma companhia aérea e no mesmo dia!



Se no primeiro dia ainda éramos estranhos, no segundo já falávamos todos e partilhávamos boleias e bolachas. Sim, porque partilhar bolachas do lanche da manhã é um passo de socialização fundamental. Nos primeiros dias ainda celebrámos o aniversário de dois colegas, combinámos almoços no CascaisShopping, explorámos as redondezas do aeródromo.


as aulas

Foram cinco semanas intensivas. Todos os dias saía de casa às 7h30, com calma, provida do meu termo abastecido de chá quente. Era fevereiro e estava um frio invernoso e nada aconchegante. As aulas eram dadas numa sala no aeródromo, por cima do hangar e começavam às 9h. A pontualidade é uma imposição avaliada no final do curso e tem um caracter importantíssimo. Viria a perceber depois que a base da aviação (diga-se o que se disser) tem que ser a pontualidade. Portanto: aulas todos os dias, das 9h às 18h. 

A matéria estava dividida por módulos: introdução, makeup and appearance, general aircraft system, standard operating procedures, service on board, aircraft general, vip executive service, emergency procedures and safety equipment, aviation healthy nutrition, aero-medical aspects and first aid, water survival practical, fire and smoke training, security and unruly passengers, dangerous goods, legislation, passenger handling and cabin surveillance, crew resource management, aeronautical english, mockup evacuation e final exam.

Assim até vos pode parecer muito confuso e muita matéria para ser dada em cinco semanas. Mas a verdade é que este é um curso inicial e em cada módulo apenas abordamos os aspectos que são comuns as todas as companhias — e todas as disciplinas se revelaram muito importantes e interessantes.



o mockup do avião


Na OATC, em Tires, temos ainda a possibilidade de visitar um mockup de uma cabine real, onde pudemos praticar alguns procedimentos e perceber como funciona tudo no backstage de um avião. Aprendemos rapidamente que o trabalho de um flight attendant é muito mais do que servir "chá, café ou laranjada". Há todo um minucioso trabalho de fundo da nossa parte e percebemos que sem nós não haveria nenhum avião comercial que descolasse (e que rendesse).

Os tripulantes de cabine conseguem ser tudo um pouco. Aliás, podem ver os módulos que foram leccionados. Trabalhamos com o público, servimos bebidas e refeições, é certo. Mas temos formação de primeiros socorros e, numa emergência, conseguimos ser médicos ou enfermeiros, bombeiros ou nadadores salvadores. Temos formação de sobrevivência em ambientes hostis e somos treinados para controlar as nossas reacções. Quando todos os outros entram em pânico, nós temos que entrar em acção. Basicamente é isso. 

Antes de cada voo há toda uma preparação da cabine, onde temos que confirmar e controlar todos os aspectos de segurança. Mesmo durante o voo, por mais curto que seja, a nossa principal preocupação (e, doravante, função) é assegurar que o avião se encontra seguro e sempre pronto para qualquer eventualidade. As bebidas e comidas são servidas, sim, preferencialmente entre sorrisos mas só — e apenas só — quando há condições para o fazer. Não é prioritário. É claro que em 99% dos voos é um serviço ao público de excelência que queremos prestar aos nossos passageiros e por isso fazemo-lo sempre (a menos que haja uma turbulência violenta ou algum imprevisto).



ida a santa maria

O curso da OATC culmina numa viagem a Santa Maria. São três dias em que a turma unifica laços e aprende, na prática, muitas das coisas que nos viriam moldar enquanto tripulantes de cabine. É que a viagem a Santa Maria serve o propósito de levar os alunos ao Centro de Formação Aeronáutica dos Açores para participarem em exercícios (os chamados drills) de água e fogo, bem como treino prático de evacuação. Aqui também há mockups, ainda mais reais, à escala, onde temos que nadar numa piscina olímpica, aprender a controlar e organizar um grupo de pessoas, mantendo o discernimento que terá que ser exigido numa amaragem; nesses mockups, sempre sob a supervisão do nosso formador e do coordenador do CFAA, tivemos também que combater fogos reais, com extintores 'a sério', aprendendo a identificar um fogo e sua origem; foi também nos Açores que simulámos uma série de exercícios de evacuação, com mangas em tamanho real (e por tamanho real entenda-se: 7m de altura), over and over again, até sabermos a lenga-lenga (os ditos call outs) na ponta da língua. 


Sim, os tripulantes de cabine são preparados para o pior. O glamour da aviação é um acessório e o nosso treino é feito sobretudo em base nos erros do passado, pois só assim conseguimos corrigir e prevenir eventuais acidentes. Mas não se assustem, pois aprendemos também que os aviões são — sem sombra de dúvida — o meio de transporte mais seguro do mundo!

Voltando a Santa Maria... este foi, sem dúvida, o clímax do curso. Santa Maria é uma ilha lindíssima, pequenina mas rica em paisagens de cortar a respiração. Em três dias de formação, a turma ainda consegue aproveitar o último para fazer uma excursão pela ilha e conhecer os pontos de maior interesse. O Nelson é o guia responsável pelo passeio e, como já o outro dizia: em Santa Maria, o Nelson é o melhor guia!



O hotel que nos recebe também é óptimo e tem um pequeno-almoço divinal — que é, na verdade, tudo aquilo que me cativa. E depois, na última noite, ainda temos a possibilidade de visitar alguns barzinhos locais, descontrair e por a conversa em dia. Mas aqui, meus amigos, aconselho providência e que não caiam em excessos, se faz favor. Portem-se com juízo!



O regresso a Lisboa fez-se por São Miguel e nem vos consigo explicar a sensação maravilhosa que é entrar num avião depois de saber tudo aquilo que aprendemos. Olhamos para tudo com outros olhos, sabemos exactamente o que se passa no outro lado, atentamos nos gestos e postura da tripulação, na localização do material de segurança, na própria estrutura do avião [...] e é tudo novo, uma emoção. Aqui o bichinho começa mesmo a ganhar forma e já só queremos começar a voar.


depois do curso

Depois de Santa Maria ainda tivemos mais uma semana de aulas. Terminámos os módulos que faltavam — com os respectivos testes (um teste final por módulo) — e no último dia fizemos o exame final. Este exame é composto por perguntas dos vários módulos de matéria que demos ao longo do curso. Na minha opinião, a matéria é dada de forma clara e concisa. É-nos fornecido, no primeiro dia de aulas, um dossier com o compêndio de toda a matéria e os testes são relativamente fáceis, por isso estes testes e exame não são nenhum bicho de sete cabeças.



Depois do curso, é-nos entregue um certificado e o cabin crew attestation e é-vos agendado um voo de observação, onde podem integrar uma tripulação de um voo real, da White Airways, e observar de perto e em primeiro mão como funciona na prática tudo aquilo que aprenderam na teoria.

A OATC dá-vos ainda a oportunidade de prestarem provas para integrar a equipa de tripulantes da White Airways. Estas provas são compostas por um processo dividido em duas partes asseguradas pelo curso. A primeira consiste num teste escrito de línguas (inglês e espanhol) e a segunda parte trata-se de uma entrevista pessoal, em português e inglês. Se forem seleccionados e aprovados em ambas as fases poderão vir a ser chamadas para a entrevista final. 



Neste momento é do conhecimento geral que a aviação atravessa um boom crescente de procura e oferta e que a maioria das companhias aéreas estão à procura de tripulantes. A probabilidade de serem chamados para a entrevista final é enorme e só depende de vocês brilharem em todas as fases. Para além deste processo de recrutamento da White ainda fiz parte de um open day de uma outra companhia. Se tiverem curiosidade sobre como é que são estes processos ou alguma questão relativa a este assunto, deixem nos comentários.

nota
Ficou a faltar dizer-vos, no primeiro post, que na inscrição do curso têm que já levar convosco o Medical Report (é feito nos médicos da TAP e custa-vos 75€), a vacina da febre amarela e boletim de vacinas em dia, e o passaporte válido (pelo que, se não tiverem, têm que o mandar fazer).



Depois do curso ficamos com uma sensação doce-amarga. Passa muito rápido e de lá guardamos óptimas memórias e construímos amizades que nunca sonharíamos fazer. Hoje em dia somos colegas, alguns a trabalhar na mesma companhia e partilhámos todos uma aventura em comum: a turma 02/2018 da OATC.

4 comentários

  1. Estou a acompanhar o teu oh darling, lets fly e mal posso esperar pelas tuas historias mais bizarras, desde coisas que te pedem ou perguntam que sejam estranhas, a relatos no voo.
    Muito sucesso Sarita e que esta nova fase te traga muitaaaaa felicidade!

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  2. que demais :) e fico ainda mais animada em ler esses relatos porque tenho uma conhecida que também é comissária e nunca me passou pela cabeça perguntar mais sobre a profissão e todos esses processos. agora que estou lendo os teus relatos vejo quanto coisa incrível e interessante envolvem essa profissão. enfim, continuo adorando acompanhar tudo isso e sempre desejando muito felicidade e sucesso nessa tua nova fase ♥

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  3. Olá Sara,
    Gostaria de saber se podes partilhar algumas dicas (ou factos, se possível que não seja só relacionados com probabilidades) para quem tem medo de andar de avião.
    Obrigada e tudo a correr bem,
    Maria

    P.S: Adoro o teu blog!

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  4. Olá! Vou fazer o curso na Omni em Novembro, pelo que li no teu blog adoraste o curso, achas mesmo que o dinheiro investido no curso vale a pena? Tendo em consideração que há companhias aéreas que oferecem o curso gratuitamente.
    Sinceramente tenho medo de investir demasiado e de não conseguir emprego na área.

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