Durante os últimos quatro anos e meio passei mais horas a voar do que em terra. Foram incontáveis descolagens, aterragens, muitas madrugadas, vários serviços nocturnos, milhares de passageiros que tive o privilégio de levar pelos céus fora. Conheci cidades maravilhosas, colegas incríveis e histórias marcantes. Assisti a uma pandemia que nos tirou o chão a todos — e que muito abalou a indústria. Vi a empresa reerguer-se, voltei a voar, a viver a rotina que tanto gostava. Até que, num instante, tudo se dissipou.
Adoro mudanças e sou forte apologista de mudar (para melhor) sempre. Aliás, fazer o curso de tripulante foi uma mudança bem radical naquela que era a vida de escritório pacata que levava. O que me traz grande angústia são as mudanças forçadas, por terceiros, que me fogem ao controlo e que são movidas por grandes injustiças.
Lembram-se da história da Casa da Rua Costa Pinto?
Há sempre um princípio para todo o fim. Mas, agora, não importa muito. Porque o agora é o fim de uma época que acaba, que não volta mais. E que vai deixar saudades. Muitas.
Em Março de 2017 já o dizia. Escrevi esta carta aberta sobre a tristeza que sentia ao ter que dizer adeus à casa da minha infância. Hoje em dia penso que não seria bem pela casa, não pela estrutura em sim, ou talvez nem fosse pela zona ou pela rua histórica bonita. A tristeza que sentia era sim sobre o reconhecer que um ciclo terminava, não se repetiria mas que, acima de tudo, findava de uma forma muito injusta e por motivos muito errados.
Pois bem; é exactamente assim que me sinto em relação ao fim do meu percurso na aviação, na forma como a conheço. Foi um término injusto, (mais ou menos) inesperado. Tal como esteve fora do nosso alcance o termos de sair da casa da rua costa pinto, também o cancelamento do contrato da minha empresa com a TAP não esteve ao nosso alcance. Com mais ou menos justificações, vi o meu posto de trabalho ser vendido ao preço mais baixo a uma empresa estrangeira. E toda essa situação foi revoltante.
Podem não ter prestado atenção às notícias, mas foi feita uma pequena reportagem sobre o sucedido que podem ver aqui e onde explica, num registo muito resumido, o que se passou e o motivo pelo qual mais de 100 funcionários portugueses vão ficar desempregados.
Tem sido um processo demorado e que ainda está a decorrer mas, para já, tenho uma certeza: fiquei ficámos sem voos, sem grandes expectativas, sem saber muito bem o que fazer.
Claro está: posso sempre tentar ingressar noutra companhia, tentar continuar a voar — porque, caramba, foi uma profissão que me encheu de orgulho a vários níveis e sentia-me muito realizada. Aliás, posso até afirmar que, mesmo perante todas as adversidades, fui trabalhar todos os dias, todos os voos, muito feliz. Gostava mesmo de ser tripulante e sei que, se quiser, posso continuar a sê-lo. Porque também sei que fui uma óptima tripulante. Em parte (lá está) porque sempre o fiz com muita dedicação e paixão.
Mas da mesma forma que ainda hoje não consigo passar pela Rua Costa Pinto sem parar uns instantes junto à porta do nº67 e sentir pena e uma certa revolta, também agora não consigo pensar em candidatar-me a nenhuma outra companhia de aviação.
Talvez este fosse um ciclo que precisasse de ser fechado. Talvez haja um maravilhoso principio para este fim tão abrupto. Não sei. Nunca sabemos, não é verdade?
E, ao escrever-vos agora, de volta a este espaço que é paz de espírito para mim, apercebo-me da incrível coincidência da vida:
Sair de Paço de Arcos foi a motivação para mudar de vida (a todos os níveis, pessoal e profissional) e foi então o impulso que precisava para procurar novos desafios. O curso de tripulante chega logo a seguir, como a lufada de ar fresco que tanto almejava. Entrei na companhia que me acolheu de braços abertos e me deu asas para voar e perceber que, voar, era exactamente o que eu gostava de fazer. Conheci pessoas incríveis e essas pessoas incríveis apresentaram-me a outras pessoas incríveis — e voltei a encontrar o amor. Sair de Paço de Arcos fez com que eu quisesse procurar um novo trabalho e esse novo trabalho é este que agora termina.
Quem sabe se o terminar deste trabalho não significa que novos desafios estão aí à espera?
Tão bom ver o blog de volta!
ResponderEliminarBom ler estas tuas palavras! Tudo na vida tem um propósito… e tu aqui no online também brilhas ✨ que a vida te sorria sempre
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